De frente para Frankenstein

A Cerveja do Mês de outubro escolhida pelo Lupulado é a Frankenstein, uma special bitter com erva mate e camomila que carrega em si características interessantes para climas quentes como o do Vale do São Francisco. Elaborada no início deste ano, a receita é criação da Quimera, cervejaria caseira localizada em Petrolina – PE. O cervejeiro da Quimera , Tiago Oliveira, contou que o processo de criação da Frankenstein partiu de um acontecimento inusitado: “Sem querer, um colega cervejeiro moeu de uma vez só os maltes pedidos para duas receitas diferentes. Como não teria o que fazer com estes insumos, ele os ofereceu em nosso network para quem quisesse aproveitar e eu aceitei. No momento em que parei para analisar o material, percebi que eram maltes de receitas bem discrepantes. Assim, precisei pensar numa solução para casar esses maltes misturados em uma receita que fizesse sentido; em seguida, adicionei maltes de finalização para arredondar o sabor, completando com leveduras e lúpulos ingleses”, disse Tiago, justificando que esta é a razão para o nome “Frankenstein”. Semelhante ao personagem icônico da ficção científica, a cerveja surgiu de maneira totalmente experimental, envolvendo aproveitamento de insumos pré-estabelecidos aleatoriamente, por acidente, somado à aplicação de conceitos e ajustes de acordo com as convicções do cervejeiro durante a brassagem.

Tiago revelou alguns dilemas encontrados ao longo do processo de criação da Frankenstein: “O grande desafio foi fazer uma previsão da quantidade de amargor que o mate iria adicionar, para poder compensar nos lúpulos. O cuidado principal não foi nem pela camomila, mas por conta do mate, que costuma dar amargor. Existem receitas, por exemplo, que utilizam mate e outras ervas como forma de aumentar o amargor. A camomila foi mais sutil; porém eu precisei reduzir no amargor dos lúpulos para que o mate, quando entrasse na mistura, não ficasse amargo demais para quantidade de malte que tinha no material que aproveitamos.

Analisando a criação

O primeiro contato do Lupulado com a Frankenstein aconteceu no Encontro de Cervejeiros do Vale do São Francisco, realizado em 28 de julho deste ano em Petrolina – veja cobertura do evento no Lupulado. Na ocasião, experimentamos a cerveja em barril através das torneiras no stand da Quimera. Nesta semana, realizamos análise sensorial provando a cerva engarrafada. Esta versão da Frankeinstein possui corpo levemente opaco e sem resíduos, com 38 de IBU e 4,9% de ABV (a embarrilhada que foi servida no Festival de Julho apresentou 4,5%). Bela coloração puxada para o âmbar, que remete à outras bebidas com as mesmas ervas usadas na cerveja, como chá gelado de mate e o chá de camomila.

A espuma branca se forma gradativamente através bolhas finas, criando colarinho de tamanho médio que que retém satisfatoriamente um aroma bem distribuído entre erva mate e camomila. O paladar também é bastante equilibrado, combinando gosto mais suave ao amargor médio típico das cervejas estilo special bitter, apresentando notas bem perceptíveis que carregam a essência levemente doce da erva mate e da camomila. Segundo Tiago Oliveira, a ideia de acrescentar mate à mistura surgiu como forma de “abrasileirar” a receita. “A gente buscou o que poderia usar de ingrediente extra para deixar a cerveja ainda mais diversa; já tínhamos lúpulos ingleses, alguns americanos, aí acabamos adicionando uma característica nossa. O resultado ficou como nós planejamos: Uma cerveja extremamente refrescante cujo gosto lembra as bebidas com erva mate, como o Tereré do sul do país e os mates gelados do Rio de Janeiro.

Para efeito de comparação entre a Frankenstein na torneira e a engarrafada, a versão experimentada no encontro em julho apresentou um corpo mais claro, carbonatação mais baixa e maior presença no paladar da erva mate do que a camomila. Tiago explicou: “Eu acho que mudou mesmo um pouco na carbonatação. A cerveja de barril, com carbonatação forçada, fica mais aveludada, mais cremosa. Forma-se assim uma espuma mais grossa, que retém mais aroma. Na versão de barril, o aroma vem disfarçado embaixo da espuma. Na hora de engolir, talvez essa discrepância entre sabor e aroma fique mais perceptível; isto justifica o  sabor do mate ser sentido somente no final do gole, porque o aroma estava presente, porém encoberto na espuma. Fora isso, fizemos um pequeno ajuste diminuindo a quantidade do mate na receita original, a partir do feedback no Festival em junho; na segunda leva, usamos um pouco menos de mate para produzir a mesma cerveja”. O resultado final, tanto na garrafa quanto na torneira, revelou uma cerveja com baixo teor alcoólico, saborosa e bem refrescante, ideal para regiões de clima quente.

Stand da Quimera com torneira da Frankenstein,no Encontro de Cervejeiros do Vale do São Francisco.

Como sugestão para harmonização, Tiago recomendou aquilo que geralmente combina com cervejas estilo bitter: carnes assadas e comidas bem temperadas como as culinárias árabe e turca, além pratos com kebab e coelho. Inicialmente, na época do festival, a Frankenstein foi pensada para ser tiragem única. “Mas isto foi o pensamento inicial. Em seguida, produzi outra tiragem em garrafas, das quais eu ainda tenho algumas unidades para oferecer. Se houver demanda, obviamente eu posso replicar a receita e produzir algumas cervejas sob encomenda”, finalizou Tiago.

Texto e fotos: Luiz Adolfo Andrade

Mondial de La Bière 2018

Na semana passada aconteceu no Rio de Janeiro a sexta edição do Mondial de La Bière, considerado o maior evento cervejeiro do Brasil. Entre os dias 05 e 09 de setembro, o complexo de armazéns do Pier Mauá, na zona portuária da capital fluminense, recebeu mais de 160 cervejarias do Brasil e do exterior, como a famosa Goose Island, que disponibilizaram cerca de 1.500 rótulos de diferentes estilos. O Mondial de la Bière é um festival internacional de cervejas artesanais que começou há 25 edições no Canadá. No Brasil, o evento acontece no Rio de Janeiro desde 2013 e foi realizado pela primeira vez em São Paulo neste ano.

Visual no interior do Pier Mauá, no primeiro dia do Mondial de La Bière.Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Fila para entrar no quarto dia do festival. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Além das cervejas servidas em torneiras e garrafas, 25 food truck ofereceram opções para harmonização e cerca de 30 bandas foram encarregadas de fazer som em dois palcos montados no evento. A organização divulgou no site oficial do Mondial que a expectativa de público girava em torno de sessenta mil pessoas durante o evento; entretanto o número oficial ainda não foi divulgado pelos organizadores. Em alguns dias o público foi maior, por exemplo no sábado (08), quando os ingressos esgotaram na semana anterior ao festival.

Armazém 4 no primeiro dia do Mondial de la Bière. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Stand da cervejaria Antuérpia (MG) no Armazém 3: Grande vencedora do evento. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Stand da cervejaria Overhop de Angra dos Reis (RJ) no Armazém 3. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

O jornalista carioca Rafael Fernandes, 41, que esteve em quatro das seis edições do Mondial de La Bière no Rio, destacou: “de modo geral, o evento é muito bom, os expositores são muito atenciosos e sempre solícitos para explicar os rótulos e estilos; o problema é que eles não costumam dar provas das cervejas; poderiam até aumentar um pouco o preço da cerveja, mas servir uma prova para ajudar na escolha do que beber”.

Cerveja Névoa, New England Pale Ale da cervejaria Antuérpia – MG. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Rafael percebeu ainda melhorias no serviço médico e nas disposição de banheiros, especialmente os masculinos, o que considera ser importante especialmente em um festival de cervejas. Por outro lado, ele acredita que o Mondial está deixando de ser um evento cervejeiro para tornar-se algo mais cosmopolita. “Antes, por exemplo, tocavam música alemã; hoje toca só música pop. Acho legal, mas um evento assim poderia usar características e coisas mais típicas do universo cervejeiro ”, concluiu.

Torneiras características do stand da Overhop (RJ). Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Beer truck da cervejaria CapaPreta (MG) no Armazém 3 do Mondial de La Bière. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Disputa entre cervejarias

Um dos momentos mais aguardados do Mondial da La Bière é o MBeer Contest Brazil, competição para indicar a melhor cerveja do evento (medalha de platina) e outras cervejas que se destacaram das demais (medalha de outro). Neste ano, 376 rótulos concorreram às medalhas, sendo avaliados previamente por uma comissão de 11 jurados. A principal novidade no concurso de 2018 foi anunciar os vencedores ao final do primeiro dia do evento, permitindo que o público soubesse desses rótulos logo de início.

A grande vencedora desta edição do evento foi a Nikita Cherry Hickey, uma Imperial Stout da Cervejaria Antuérpia (MG). João Cléber, cervejeiro na Antuérpia, contou um pouco mais sobre o rótulo premiado.

Na tabela a seguir, confira as outras 12 cervejas premiadas com medalha de ouro na sexta edição do Mondial de lá Bière. Um fato que chama atenção é a presença do estilo Catharina Sour, com quatro rótulos, entre os medalhistas de ouro. A estes, acrescenta-se outros rótulos na linha sour, isto é, cervejas com um paladar mais azedo (ácido), que muitas vezes trazem adição de frutas cítricas e apresentam como característica principal o uso de leveduras selvagens, aquelas que se encontram livres pelo ambiente,  por exemplo as Brettanomyces.

Rótulo Cervejaria Estilo
Treta Cervejaria Suburbana Berliner Weiss
Roter Brauhof Roter Sour Ale Sour Ale
Gravioh lala Overhop Catharina Sour
Aternum Overhop Americam Imperial Stout
Catharina Sour Goiaba Mistura Clássica Catharina Sour
Gone Mad Wonderland Brewery American IPA
Brewer’s Cut Dádiva American Sour
Guanabara Wood Aged Colorado Imperiam Russian Stout
Saboya Cerveja Matisse Catharina Sour
Thirsty Harks Farm Brewery Wood Gin Barrel Aged Ginga de La boe Sour Ale
Regina Sour Framboesa Bodebrown Berliner Weiss
Cacau IPA Wood Age Bodebrown American IPA
#2anos Farra Bier Catharina Sour

A cervejeira Anna Lewis , da medalhista de ouro Wonderland Brewery, participou pela primeira vez como expositora do Mondial de La Bière. Anna nasceu na Sibéria e foi morar no Estados Unidos, onde casou-se com Chad Lewis que também é sócio da Wonderland. Conheceram um cervejeiro carioca, Pedro Fraga, que apresentou-lhes o mercado brasileiro. “Nos inspiramos muito na cultura cervejeira norte americana e procuramos utilizar este conhecimento nas receitas que desenvolvemos. Pedro é uma ótima pessoa, tornou-se nosso parceiro na Wonderland. Ele deu um toque especial nas nossas receitas, tornando-as ainda mais interessantes”, disse Anna, que mudou-se com o marido para o Rio de Janeiro em abril.

Anna Lewis cervejeira na Wonderlan Brewery (RJ). Foto: Luiz Adolfo Andrade.

A cerveja premiada da Wonderland, Gone Mad, é uma American IPA com 4 tipos de lúpulos, que segundo Lewis pode criar uma harmonização especial com ostras e frutos do mar, além de harmonizar tradicionalmente com burgers.

Gone Mad, cerveja medalha de ouro da Wonderland Brewery (RJ).Foto: Luiz Adolfo Andrade.

O nordeste do Brasil foi representado na sexta edição do Mondial de La Bière pela cervejaria pernambucana Ekäut. Além das sua cervejas tradicionais como a Munich Helles e a American IPA, a cervejaria brindou o público com dois lançamentos: a Sour de Cajá e a Ris Bolo de Rolo.

Davidson Dias, cervejeiro na Ekaut (PE). Foto: Luiz Adolfo Andrade.

“As cervejarias nordestinas estão fazendo sucesso e a gente precisa se inserir no mercado do sul e sudeste; o nordeste está se tornando referência em como fazer cerveja e precisamos mostrar isso aqui”, disse o cervejeiro da Ekäut Davison Dias, que participa do Mondial pelo segundo ano consecutivo.

Alguns goles com Ruiz

“O nosso foco é fazer uma experiência maneira para todos que estão na Farra, seja consumidor, seja colaborador, seja fornecedor. E assim a gente vai levando”. Esta frase pertence ao cervejeiro da Farra Bier, Fabrizio Ruiz, e foi usada para ilustrar o astral percebido no staff da cervejaria durante os trabalhos no Mondial de La Bière. Publicitário com MBA em Finanças, Investimento e Risco pela FGV, Fabrizio tem 38 anos e trocou a rotina de quase duas décadas trabalhando em um banco pela vida como empreendedor e cervejeiro na Farra Bier. A cervejaria foi outra medalhista de ouro na sexta edição do Mondial de Lá Bière com a Catharina Sour #2. “Meus colaboradores precisam se sentir felizes, acordar de manhã e sair felizes para um dia de trabalho. Quem está ali tem que estar feliz com que está fazendo; na Farra tudo é com muito amor e paixão. O objetivo maior não é reduzir custos de produção nem ganhar mercado”, disse o cervejeiro. Partindo desta premissa, Ruiz concedeu entrevista ao Lupulado após experimentarmos alguns de seus rótulos.

Fabrizio Ruiz, cervejeiro e fundador da Farra Bier (RJ), exibe a premiada #2anos. Foto: Luiz Adolfo Andrade

Lupulado: Quantas edições do Mondial de La Biére a Farra Bier já participou?

Fabrizio Ruiz: A primeira vez que participamos foi em 2016, tínhamos um mês de fundação e apenas um rótulo, a “All in IPA”. Não tínhamos stand no evento, éramos uma apenas uma torneira dentro do stand de uma cervejaria parceira. Na edição de 2017, fomos com stand próprio e 6 torneiras. Ganhamos nossa primeira medalha de ouro. Em 2018, dobramos o tamanho de nosso stand e número de 12 torneiras. Faturamos a nossa segunda medalha de ouro.

Lupulado: Qual a razão do nome Farra bier?

Fabrizio Ruiz: Farra tem tudo a ver com cerveja, amigos, momentos… e é isso que proporcionamos! Não vendemos cerveja, proporcionamos uma experiência: Isso é Farra!

Carta de cervejas da Farra Bier no Mondial de la Bière. No copo, a Pool Party, outro excelente rótulo da Farra Bier. Foto: Luiz Adolfo Andrade

 

Lupulado: Seu foco é o mercado cervejeiro do Rio de Janeiro ou pretende comercializar os rótulos da Farra em outros estados, especialmente os do Nordeste?

Fabrizio Ruiz: Não há um foco no mercado do Rio. Estamos trabalhando pra ampliar nossa distribuição. Nossa cervejaria tem 2 anos e aos poucos estamos aplicando nossa capilaridade. O nordeste é uma das regiões que pretendemos focar e 2019 será possível encontrar Farra por lá.

Lupulado: Pode comentar um pouco sobre sua cerveja premiada, a #2anos?

Fabrizio Ruiz: A #2anos é uma Catharina Sour com tangerina e adição de brettanomyces, envelhecida em barril de carvalho, que foi utilizado em outro momento para maturação de vinho Chardonnay. O resultado é uma cerveja seca, frisante, bem refrescante, ácida, com notas de tangerina, abacaxi, uva verde, remetendo muito ao vinho branco e à champanhe.

Fábrica da Farra Bier em Guapimirim – RJ. Fonte: Fabrizio Ruiz.

Lupulado: O que você acha de associações como as ACerVa? Você considera importante que os cervejeiros se associem a estes coletivos?

Fabrizio Ruiz: Tenho cinco anos de filiação à AcervA Carioca. É muito importante ser associado quando o cervejeiro produz cerveja caseira, mas perde um pouco de relevância quando se passa a ser cervejaria comercial. Contribui para o fortalecimento da cultura cervejeira sim, mas pra defesa do setor não até porque não é o objetivo desse coletivo. Por isso, aqui no Rio fundamos em 2017 a AMACERVA, cujo objetivo é defender e melhorar a cena artesanal Carioca. Os associados são as cervejarias.

Lupulado: Na sua opinião, qual maior obstáculo para quem produz cerveja no Brasil?

Fabrizio Ruiz: Sem dúvida são os impostos. A maioria dos produtos é importada e a carga tributária deixa esses itens muito caros. Além disso, existem impostos após a produção, o que encarece o produto final, dificultando a penetração no mercado local. Fora do Estado, ainda incidem outros impostos, como ICMS-ST, que majora significativamente o valor da nota, praticamente inviabilizando a venda.

Lupulado: Como você enxerga o embate entre cervejarias industriais x cervejarias artesanais? Depois de cervejaria artesanal ser o ramo que mais cresceu no Brasil em 2015, segundo o SEBRAE, você acha que a indústria retomou a força em função de exigências por parte da Anvisa, como as certidões?

Fabrizio Ruiz: Na verdade, acho que estes termos (industrial e artesanal) não fazem mais tanto sentido uma vez que, para ser vendida em lojas, toda cerveja tem que ser industrial; aqui no Rio não há venda de cerveja que não seja produzida em uma fábrica certificada pelo MAPA. A diferença entre cervejarias artesanal e industrial, no meu ponto de vista, está no volume e no resultado final do produto. Particularmente acho que são produtos pra nichos diferentes de mercado e irão coexistir sempre, como em qualquer lugar do mundo. Cabe ao consumidor escolher o que cabe ao seu paladar e no bolso.

Lupulado: Para finalizar, você poderia comentar brevemente sobre sua história profissional; por que decidiu abrir mão do cargo de analista sênior em um banco público para empreender no ramo de cervejas artesanais?

Fabrizio Ruiz: Passei no concurso do banco com 19 anos e trabalhei lá por quase duas décadas. Consegui estruturar a minha saída pra tocar algo que me apaixona, que me motiva, que faz sentido para minha vida. É uma questão de perfil: Sempre gostei de empreender. Sou tomador de risco, não gosto de rotinas e tenho disposição pra enfrentar as adversidades do mundo empresarial. Hoje sou sócio da Farra Bier; produzindo cerveja, participo direta e indiretamente de momentos felizes das pessoas e isso é muito gratificante para mim. Aproveito pra deixar um recado para os leitores do Lupulado: A plenitude da vida está em ela fazer sentido, não importa o que você faça.

Gotinhas de felicidade

Festas de família, comemorações de final de ano, happy hour com o pessoal do trabalho, camarotes “open bar”, coquetéis e etc. geralmente são ocasiões que trazem um alerta para os cervejeiros mais exigentes: Qual será a cerveja do evento? Nestes casos, a opção mais comum é pelas cervejas de milho industriais, que geralmente satisfazem a maior parcela do público consumidor. Entretanto, como fica a situação do cervejeiro apreciador de bons rótulos, que nestes casos pode desfrutar de locais e momentos aprazíveis, porém sem a cerveja que ele considera ideal?

No último mês de julho, o Lupulado testou um produto que chegou há pouco tempo no mercado: as gotas Du Pappi. Trata-se de um extrato de lúpulo líquido que funciona como uma espécie de “tempero” para a cerveja: O consumidor pinga de 2 a 5 gotas do produto em um copo vazio, completando o recipiente com cerveja comum; como resultado, a bebida tem aroma, espuma e amargor sensivelmente alterados, tornando-se mais agradável para cervejeiros com paladar mais exigente.

O local escolhido para realizar esta experiência com o Du Pappi foi um famoso resort all inclusive na costa do Ceará. Como outros estabelecimentos nesta linha, a cerveja disponibilizada para os hóspedes é um rótulo industrial, que pode ser servida à vontade em torneiras espalhadas pelo resort ou em latas. Ao todo, a experiência durou seis dias; foram consumidos um frasco de 15ml de Du Pappi combinado a uma média diária de 12 copos com 300 ml de cerveja. Nos primeiros copos, foram adicionadas 4 gotas de Du Pappi; em alguns momentos, aumentamos a dose para 7 gotas na medida em que o paladar pedia algo um pouco mais amargo.

Primeiro, o cervejeiro deve pingar cerca de 5 gotas em um copo vazio. Em seguida, completar o recipiente com cerveja ou chopp.

O resultado foi surpreendente e encantador. Na foto abaixo, pode-se perceber  a diferença entre as cores de dois copos com a mesma cerveja, porém apenas um alterado com o Du Pappi. A aplicação das gotas modificou o aroma e o sabor tradicionais desta marca de cerveja, deixando-a mais amarga e cheirosa. A espuma também sofreu alteração, ficando mais espessa e consequentemente retendo mais os novos aroma e o sabor. Outro detalhe interessante é praticidade da embalagem de plástico. Isto permitiu que o frasco fosse levado para qualquer lugar do resort, inclusive dentro das piscinas. O produto possui outra embalagem, um cilindro de papelão, que ajuda a proteger o frasco de plástico durante a refrigeração e em viagens mais longas, evitando que o recipiente seja espremido acidentalmente e, consequentemente, ocorra vazamento do liquído.

No canto direito: cerveja alterada pela aplicação de 5 gotas do Du Pappi. No lado esquerdo: a mesma cerveja sem a adição do produto.

Dentro ou fora d’àgua: Embalagem favorece mobilidade e conservação das gotinhas do Du Pappi.

Curiosamente, não percebemos outros usuários das gotinhas pelo local, sinalizando que o produto ainda não é muito conhecido pelo público. Conversamos com cerca de 20 hóspedes sobre a qualidade da cerveja servida no resort; alguns disseram não estarem satisfeitos com a marca e que o lugar poderia oferecer outros estilos para hóspedes apreciadores de cervejas especiais; outros hóspedes se mostraram conformados com a cerveja industrial oferecida por la, embora a marca não seja melhor opção no mercado. Todas estas pessoas com quem conversamos se mostraram interessadas em experimentar as gotas Du Pappi.

Fim do problema? Copo com cerveja industrial modificada por 6 gotas de Du Pappi

Papo com o Papi

Ao final desta experiência, entramos em contato com o gerente comercial do Du Pappi, Luiz Coqueiro, para conseguir uma entrevista sobre o Du Pappi. Luiz é filho de Lart Coqueiro, criador das gotinhas, quem ele chama carinhosamente de Papi,  revelando a origem do nome do produto. Laert Coqueiro é mestre cervejeiro e engenheiro químico; atuou por mais de 30 anos na cervejaria Brahma, que depois se tornou Ambev. No início, trabalhava com aromatização e desenvolvimento de bebidas; em seguida, passou a lidar especificamente com lúpulo.

Laert Coqueiro, criador das gotinhas Du Pappi. Fonte: Luiz Coqueiro/Arquivo Pessoal.

Lupulado: Como surgiu a ideia de criar um extrato de lúpulo líquido?

Laert Coqueiro: O lúpulo é muito interessante porque ele confere aroma à cerveja. Foi desta sensação que surgiu a ideia de desenvolver a fórmula do Du Pappi, na qual foram associados um lúpulo de aroma e outro de amargor. O meu intuito era obter uma combinação equilibrada para reforçar o amargor e o aroma das cervejas comuns. É importante enfatizar que a ideia do Du Pappi não surgiu a partir da minha insatisfação com as cervejas industriais, que são perfeitas para atender uma parcela mais ampla do público consumidor. A proposta das gotinhas foi criar algo diferente para uso pessoal.

Lupulado: Desde quando o Du Pappi está disponível no mercado?

Laert Coqueiro: Eu uso as gotinhas há vários anos…mas só recentemente, há cerca de mais ou menos um ano, o Du Pappi foi desenvolvido para fins comerciais. Um fator importante, que estimulou esta produção, foi a procura por parte dos meus amigos cervejeiros. Eles sempre me pediam para usar as  gotinhas na cerveja que a gente estava bebendo. Essa demanda impulsionou o surgimento comercial do Du Pappi.

Lupulado: Qual o poder das gotinhas na cerveja?

Laert Coqueiro: As gotas Du Pappi servem para aumentar o amargor e o aroma da cerveja. A ideia é dar um toque especial na cerveja mas sem desmerecer a base inicial do produto, reforçando seu aroma e amargor. A aplicação das gotinhas também proporciona um aumento da estabilidade da espuma, que ajuda na retenção do aroma e do amargor. Essas são as diferenças básicas, o resto da cerveja continua sem alteração.

Um brinde ao Laert e ao Du Pappi. Fonte: Luiz Coqueiro/Arquivo Pessoal.

Lupulado: Qual o efeito do oxigênio em um frasco de Du Pappi após aberto? Qual o tempo ideal para consumo e de armazenamento do produto?

Laert Coqueiro: O oxigênio não tem efeito direto sobre a ação do Du Pappi. Após abrir o frasco de plástico pela primeira vez, basta fecha-lo  e guardar o recipiente na geladeira. O mais importante é sempre manter o líquido sob refrigeração e com a embalagem devidamente fechada com a tampa.

Lupulado: Quantos tipos de lúpulo são usados na fórmula do Du Pappi? Como é o processo de produção das gotinhas?

Laert Coqueiro: A fórmula das gotinhas Du Pappi é um segredo industrial. Mas o que eu posso informar é que a composição do extrato contém um lúpulo aromático e outro de amargor, que são obtidos através de extração por CO2. Essas duas matérias primas, os lúpulos aromático e de amargor, são selecionados e misturados. Logo em seguida são envasados nas embalagens plásticas do Du Pappi, que são limpas e esterilizadas.

Lupulado: Recentemente, o Blog Lupulado publicou matéria sobre off-flavours. Existem várias razões para eles, como é o caso do Clorofenol, que ocorre em função de limpeza mal feita no equipamento; o catty (xixi de gato), causado por um tipo específico de lúpulo usado na cerveja; o lightstruck, que ocorre pela incidência da luz em garrafas da cor verde. Existe algum cuidado específico que o senhor toma com a limpeza o equipamento, escolha de garrafas ou insumos para produção do Du Pappi?

Laert Coqueiro:  Com certeza. As embalagens plásticas usadas pelo Du Pappi  são limpas e esterilizadas. Portanto não há riscos de contaminação ou de alteração do produto, que é estável. O mais importante é a conservação do Du Puppi na embalagem fechada e sob refrigeração.

As gotinhas do Sr Laert podem ser adquiridas pela internet no site oficial do Du Pappi. No Vale do São Francisco, foi possível encontrar o produto para venda no Empório Saint Anthony, na Padaria Ancilon, Restaurante João de Barro e Posto Lorena.

Análise sensorial com off-flavour: percebendo problemas

Imagine um grupo de 20 cervejeiros artesanais reunidos em um mesmo local por cerca de três horas bebendo somente cervejas com problemas, por exemplo, odor de vinagre, mofo, gosto de vegetais podres ou de papelão? Parece algo difícil de acreditar, mas este encontro aconteceu no último dia 02 de agosto em Petrolina-PE. O evento foi uma análise sensorial promovida pela Associação de Cervejeiros Artesanais de Pernambuco (ACERVA – PE) realizado nas instalações da Haus Bier, conhecida micro cervejaria na região do Vale do São Francisco. Basicamente, a dinâmica foi experimentar um  estilo específico de cerveja alterado pela inserção de off-flavor, flavorizantes líquidos que emulam odores e sabores característicos de problemas que ocorrem no processo de produção da bebida. As causas desses males podem variar desde uma simples limpeza mal feita no equipamento até problemas de pressurização, temperatura, qualidade de insumos etc.

 

Cervejeiros artesanais e iniciantes reunidos para análise sensorial promovida pela ACervA-PE

A dinâmica funcionou da seguinte maneira: vinte participantes foram divididos em quatro mesas, sendo duas com seis e duas com quatro componentes; a configuração de cada uma foi pensada de forma estratégica, combinando lado a lado cervejeiros com mais e menos experiência no intuito de gerar uma discussão profícua. Sentado à mesa, o participante ficou diante de um quadro onde os copos foram alinhados em quatro sequências de cinco, totalizando vinte provas. Cada recipiente continha cerveja comum alterada com gotas de um off-flavor específico, que emulou uma situação que pode ocorrer no processo de produção da cerveja. Depois de provar, os componentes da mesma mesa conversavam entre si por cerca de 10 minutos para deduzir o problema. Em seguida, cada um aponta apontava sua opinião e o facilitador revelava qual era o off-flavor misturado na cerveja.

Off-flavour sobre o quadro usado na atividade.

Para um dos participantes, o engenheiro agrônomo e cervejeiro Marcos Vianna, este momento serviu de treinamento para ampliar sua noção sobre os erros mais comuns que podem ocorrer na produção da cerveja. “É muito importante esta dinâmica, pois conhecendo esses off-flavour o cervejeiro pode evitar que isto faça parte da sua produção”, afirmou.

Organização da sequencia criada em uma das provas.

Segundo um dos facilitadores, o cervejeiro na NaTora HmB e no Doutorado do Chopp Igor Veras Silani, esta atividade serviu para agregar conhecimento à formação do cervejeiro, contribuindo para que ele possa identificar defeitos e busque soluções para corrigi-los. “Este tipo de exercício é importante para que o cervejeiro não consiga apenas perceber esses problemas na sua produção, mas também em outras cervejas sobretudo as comerciais”. Igor ressalta que em alguns casos os problemas causados pelo off-flavor podem ter um “efeito inverso”, destacando exemplo da Heineken. “A Heineken tem um off-flavour chamado Lightstruck, que foi bem aceito por críticos e consumidores, tornando-se característica marcante de seu sabor”, finalizou.

 

Entenda alguns casos

O exemplo do Lightstruck – que em português pode significar “exposição à luz” ou “golpe de luz” – da cerveja Heineken é um dos mais conhecidos, justamente por produzir o tal “efeito reverso”. Em vez de aparecer como algo desagradável na degustação da cerveja, o efeito deste off-flavour tornou-se uma característica marcante da Heineken. Nas tradicionais garrafas verdes dessa cerveja, a incidência de luz faz o lúpulo liberar um componente chamado MBT que causa Lightstruck.

Outro off-flavour muito comum é o Clorofenol, que diferente do lightstruck causa um sabor desagradável na cerveja. Ocorre por conta dos resíduos de cloro no equipamento usada para fazer a cerveja, que permanecem após enxague ineficiente O Clorofenol tem odor e sabor que lembram enxaguante bucal ou esparadrapo velho, sendo facilmente reconhecido pelo consumidor. Já o off-flavour Catty ou simplesmente xixi de gato é menos frequente que os outros dois, sendo causado pelo uso de lúpulos específicos inerentes a este tipo de aroma.

 

 

Vale do São Francisco na rota dos cervejeiros

Pelo segundo ano consecutivo, apreciadores e pequenos fabricantes de cerveja artesanal marcaram presença no Encontro de Cervejeiros do Vale do São Francisco, realizado no último sábado (28) em Petrolina.

Conhecida pela produção bebidas feitas a partir da uva e de frutas, a região caminha a passos promissores para a exploração de um nicho que cresce a cada dia. Em sua primeira edição, em 2017, o encontro contou com 20 rótulos produzidas por 10 cervejarias artesanais do Vale do São Francisco. Este ano subiu para 23 rótulos produzidos por 15 cervejarias locais, totalizando 480 litros de cerveja artesanal.

Panorama do evento: descontração, rock n’ roll, churrasco e cerveja artesanal.

“O encontro surgiu com a ideia de confraternizar e juntar as pessoas da cidade que produziam cerveja de forma isolada. Agora, no segundo ano, já conseguimos ampliar os estilos de cerveja que variam das mais encorpadas e amargas como IPA, Porter e Stout, às mais leves como Summer Ale e APA”, relata Rômulo Bezerra, um dos idealizadores do evento.

Para participar do encontro, a moeda foi doação de cerveja. Cada cervejeiro disponibilizou em torno de 15 litros e em troca ganhou dois convites para serem comercializados. Além de poder degustar diferentes rótulos produzidos na região, o público também se deliciou com churrasco e show de rock.

Algumas cervejarias que marcaram presença no encontro deste ano.

Para o dentista Bruno Andrade, apreciador de boas cervejas, o encontro é uma importante ferramenta para estimular o crescimento do mercado na região e uma forma de ajudar com sugestões os cervejeiros que estão começando. “Em menos de meia hora já experimentei cinco rótulos, sendo que duas estão em processo de melhoramento e três estão muito boas”, afirma. Algumas cervejas chamaram a atenção pelo paladar diferenciado, caso da Frankenstein da Quimera, uma bitter com notas marcantes de Mate, e Sunshine da Mangue Brewery, uma golden ale caracterizada pelas coloração típica do Glitter.

Paulo Júnior (Old Chico) e Louise (Puro ‘is’ Malte)

No cenário cervejeiro do Vale do São Francisco também tem espaço para as mulheres. Com nome inusitado, a confraria feminina Puro ‘is’ Malte marcou presença e ficou entre as cinco melhores cervejas escolhidas pelos bebedores, dividindo o terceiro lugar com a Jurema Preta da cervejaria Vale Brewer. ” A nossa cerveja é produzida por mulheres mas não é necessariamente só para mulheres. O nosso público gira em torno de bons apreciadores que buscam cervejas fortes e acima de tudo, com personalidade”, garante a representante da confraria Cecília Vasconcelos, engenheira agrônoma e que produz cerveja desde 2015.

Silvio (direita) e Fernanda (centro) da Mangue Brewery celebram o sucesso da Sunshine, uma das sensações da tarde: a turma aprovou a cerveja e o evento!

Além da dupla que dividiu a terceira colocação na eleição de melhor cerveja no II Encontro de Cervejeiros do Vale do São Francisco, duas outras cervejarias dividiram o segundo lugar: Carranca Chapada, com sua APA, e a Oinc Beer, que produziu uma Rauchbier. O primeiro lugar do evento ficou com a Carranca Chapada e a sua Double IPA.

Pinheiro e Diógenes (esq.) da Carranca Chapada: grande vencedor do evento,  levando primeira e segunda colocações no concurso de cervejas.

Texto: Nina Dourado.

Fotos: Luiz Adolfo Andrade e Nina Dourado.

Cerveja do mês: Saison Farmhouse de Umbú.

A seção “Cerveja do Mês” apresenta abordagem  de um estilo específico cuja escolha obedecerá sobretudo critérios de originalidade. Decidimos começar pela uma cerveja produzida com uma fruta típica do semiárido brasileiro: o Umbú.

Criada em 2016 pela mão dos trabalhadores da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERCUC), situada no Vale do São Francisco, Bahia, a cerveja é uma Saison Farmhouse da marca Gravetero, que é feita em parceria com a Stein Haus, cervejaria na cidade de Picada Café (RS) especializada na produção de cerveja com produtos orgânicos também vindos da agricultura familiar daquele estado. Na prática, parte do Umbú produzido na região no sertão é transformada em polpa e enviado para o sul para o processamento da cerveja.

A Saison Farmhouse Gravetero, como o estilo sugere, é uma cerveja relativamente forte (6,9 % de álcool), com sabor cítrico e baixo amargor (IBU 23). Sua cor é uma forte referência ao Umbu e o aroma possui notas marcantes da fruta. De acordo com o mestre cervejeiro responsável pela Gravetero, Emanoel Messias, o Umbú tem função próxima de um tempero nesta receita, que é registrada pela COOPERCUC; houve vários testes até chegar ao ponto certo, com a polpa de Umbú sendo adicionada na fase de fermentação, preservando tanto sabor quanto aroma típicos da fruta. Messias recomenda uma harmonização da Gravetero com queijo de cabra ou carne de bode.

Messias e a Saison Farmhouse de Umbú.

A cerveja Saison Farmhouse de Umbú da Gravetero pode ser encontrada com certa facilidade nos empórios e distribuidoras da região do Vale do São Francisco e na própria COOPERCUC, que fica no município de Uauá, Bahia. O site da cooperativa disponibiliza outras opções para adquirir esta cerveja tipicamente brasileira.

Growler: como uma ferramenta do passado está modificando o consumo de cerveja no presente

Um fato que chamou minha atenção logo quando retornei do meu período na Dinamarca, no final de março, foi o crescimento considerável de um tipo de negócio no cenário cervejeiro no Brasil: as Growler Station. Confesso que ainda não tinha percebido esta força antes de me mudar para a Europa no início de 2017. Nestes primeiros quatros meses após meu regresso, me parece que o Growler é um objeto do passado que está modificando – ou melhor, renovando –  a forma de consumir cerveja artesanal no presente. Este movimento promovido pelo Growler nos dias atuais tem sua origem nos Estados Unidos, no final do século XIX, sendo retomado por lá nos anos 1980; no Brasil, o Growler só entrou na cena cervejeira em meados de 2016.

Foi possível perceber o aumento na oferta de Growler Station  em pelo menos quatro cidades brasileiras, por onde passei nas últimas semanas: três capitais (Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre) e uma no interior (Juiz de Fora – MG). Algumas operam dentro de supermercados, como a Antuérpia em Juiz de Fora e a Wals em Belo Horizonte, que é considerada a primeira Growler Station da América Latina e funciona desde 2016. Ainda em BH,  a “S.O.S. Goró” expõe suas torneiras ao ar livre, com as portas abertas para as ruas da Savassi. Já no Rio de Janeiro, a localização da Artesanato da Cerveja fica bem próxima da famosa praia de Copacabana. Estas alternativas possuem algo em comum: facilitam a tarefa de encontrar e carregar cerveja artesanal, seja para levar para casa ou para um simples passeio. Acaba invertendo a forma tradicional do consumo do chopp: Em vez de beber no estabelecimento, o sujeito compra cerveja artesanal fresca e leva com o Growler para consumir em outro lugar.

Growler Station da Antuérpia em Juiz de Fora – MG

S.O.S Goró e suas torneiras em Belo Horizonte-MG

As Growler Station são pontos de venda onde a distribuição da cerveja se dá através de torneiras conectadas aos barris ou sistemas de contrapressão e de recipientes específicos chamados Growler – containers que comportam até dois litros. Na prática, o Growler é uma ferramenta para transporte de cerveja fresca que pode ser usada diversas vezes, permitindo que o cervejeiro encha o recipiente de cerveja  e carregue para onde quiser. Armazenada em um Growler , qualquer cerveja pode conservar suas características por até 72 horas, sem que a tampa tenha sido aberta; algumas Growler Station fazem o fechamento a vácuo do recipiente, o que pode estender em até uma semana este prazo de validade.

Sistema de contrapressão na Artesanato da Cerveja

Conversamos com o engenheiro agrônomo Igor Veras Silani, cervejeiro na NaTora HmB e Doutorado do Chopp, duas microcervejarias em Petrolina – PE, sobre o serviço prestado pelas Growler Station. “Uma Growler Station pode absorver produtos de cervejarias de longe; neste caso, pode-se trazer uma marca famosa da Europa, que não vai necessariamente corroborar o conceito de cerveja fresca e até mesmo barata, mas com certeza será mais  em conta encher um Growler do que comprar a cerveja engarrafada. A cerveja no barril é sempre consumida com o argumento de ser mais fresca; vindo de longe, se ela não for mais fresca em si, ela terá uma cadeia de frio mantida pelo barril e isso torna a cerveja mais saborosa”, argumentou. Igor fez uma ressalva interessante sobre esta a funcionalidade do Growler, pontuando que “o conceito da cerveja artesanal está voltado para a ideia de ‘beba melhor’, que além de estar associado à qualidade do produto, claro, dialoga com outro conceito, ‘beba local’;  ou seja, o sujeito deve procurar beber o que é produzido mais próximo dele; assim, a cerveja não sofrerá interferência do transporte, calor, armazenamento etc. Então o Growler é uma forma de o produtor ter essa cerveja com carga tributária reduzida, pois não vai pagar pelo envase, por garrafas e também pelo uso destes equipamentos. Consequentemente, a cerveja vai chegar mais barata para o consumidor final”.

Growler no Bar da Wals: degustar cerveja é prazeroso; mas levar direto da torneira para casa é sensacional.

Aqui no Vale do São Francisco, onde cidades de porte médio possuem certo destaque, como Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), a cultura do Growler ainda engatinha. “O Vale do São Francisco, assim como outras regiões do Nordeste, diferente do Sudeste, por exemplo, ainda não possuem uma demanda exclusiva de Growler Station; por outro lado, existem estabelecimentos especializados em cerveja artesanal que poderiam aproveitar a estrutura que já possuem ou montar algo de baixo investimento. Neste caso, o estabelecimento não seria exclusivamente uma Growler Station, como encontramos em Belo Horizonte, por exemplo, mas isto certamente causaria um impacto no consumo da cerveja aqui na região, estimulando o uso de Growler”, finalizou Igor.

Origem e cuidados

A origem do nome Growler remonta ao final do século XIX, nos Estados Unidos. Naquela época, os cervejeiros ainda buscavam as melhores técnicas para engarrafamento da bebida; neste cenário, o Growler surgiu como ferramenta para os cervejeiros carregarem para casa a cerveja que compravam nos bares. Os primeiros eram feitos de metal e tinham formato mais alargado, como se fossem baldes de água. No final dos anos 80, o Growler de vidro foi introduzido por Charlie e Ernie Otto em sua cervejaria no estado norte-americano de Wyoming. Eles estavam em busca de uma opção para seus clientes levarem a cerveja fresca do estabelecimento para casa; foi quando o pai de Charlie sugeriu uma ferramenta da sua juventude: o Growler. Os recipientes de vidro são tradicionalmente confeccionados na cor âmbar; hoje em dia podemos encontrar Growlers feitos de outros materiais, como alumínio, cerâmica ou plástico, neste caso os únicos descartáveis. Nas Growler Station que visitei, pode-se encontrar Growler de plástico e vidro, ou o cliente pode levar seu próprio Growler para pegar a cerveja.

Growler de plástico da cervejaria Antuérpia (MG).

Growler é um termo em inglês que possui sentido próximo ao de “grunhido” ou “rosnador” em português; sua apropriação pelo cenário cervejeiro é comumente atribuída à duas situações: a primeira é relativa ao ruído emitido pelo CO2, que vaza pela tampa do Growler ou quando a cerveja espirava facilmente no chão dos recipientes de metal e liberava o gás; a segunda refere-se a uma prática que ficou conhecida antes da Segunda Guerra Mundial como “correndo ou apressando o Growler” (em inglês rushing the growler), em que a crianças corriam para buscar a cerveja com os recipientes e levar para os trabalhadores na hora do almoço ou para os pais, em casa de noite

Algumas dicas são importantes para conservação do Growler, por exemplo limpar com água quente assim que terminar de beber a cerveja e nunca usar sabão ou lava-louças na higienização. Recomenda-se também consumir em até três dias após abrir o Growler, porque a cerveja começa a perder o gás quando a tampa é removida. No caso do Growler de plástico, o único que não pode ser reaproveitado pelo consumidor, deve-se respeitar os procedimentos para descartar material reciclável.

Referências

Powell, S. Rushing the growler: a brief history of brewing in Buffalo. Apogee Productions; 3rd edition, 1999.

growler-station.com/about/history. Acesso em Julho de 2018.

sm.com.br/detalhe/ultimas-noticias/verdemar-inova-e-lanca-a-primeira-growler-station-da-america-latina Acesso em Julho de 2018.