De frente para Frankenstein

A Cerveja do Mês de outubro escolhida pelo Lupulado é a Frankenstein, uma special bitter com erva mate e camomila que carrega em si características interessantes para climas quentes como o do Vale do São Francisco. Elaborada no início deste ano, a receita é criação da Quimera, cervejaria caseira localizada em Petrolina – PE. O cervejeiro da Quimera , Tiago Oliveira, contou que o processo de criação da Frankenstein partiu de um acontecimento inusitado: “Sem querer, um colega cervejeiro moeu de uma vez só os maltes pedidos para duas receitas diferentes. Como não teria o que fazer com estes insumos, ele os ofereceu em nosso network para quem quisesse aproveitar e eu aceitei. No momento em que parei para analisar o material, percebi que eram maltes de receitas bem discrepantes. Assim, precisei pensar numa solução para casar esses maltes misturados em uma receita que fizesse sentido; em seguida, adicionei maltes de finalização para arredondar o sabor, completando com leveduras e lúpulos ingleses”, disse Tiago, justificando que esta é a razão para o nome “Frankenstein”. Semelhante ao personagem icônico da ficção científica, a cerveja surgiu de maneira totalmente experimental, envolvendo aproveitamento de insumos pré-estabelecidos aleatoriamente, por acidente, somado à aplicação de conceitos e ajustes de acordo com as convicções do cervejeiro durante a brassagem.

Tiago revelou alguns dilemas encontrados ao longo do processo de criação da Frankenstein: “O grande desafio foi fazer uma previsão da quantidade de amargor que o mate iria adicionar, para poder compensar nos lúpulos. O cuidado principal não foi nem pela camomila, mas por conta do mate, que costuma dar amargor. Existem receitas, por exemplo, que utilizam mate e outras ervas como forma de aumentar o amargor. A camomila foi mais sutil; porém eu precisei reduzir no amargor dos lúpulos para que o mate, quando entrasse na mistura, não ficasse amargo demais para quantidade de malte que tinha no material que aproveitamos.

Analisando a criação

O primeiro contato do Lupulado com a Frankenstein aconteceu no Encontro de Cervejeiros do Vale do São Francisco, realizado em 28 de julho deste ano em Petrolina – veja cobertura do evento no Lupulado. Na ocasião, experimentamos a cerveja em barril através das torneiras no stand da Quimera. Nesta semana, realizamos análise sensorial provando a cerva engarrafada. Esta versão da Frankeinstein possui corpo levemente opaco e sem resíduos, com 38 de IBU e 4,9% de ABV (a embarrilhada que foi servida no Festival de Julho apresentou 4,5%). Bela coloração puxada para o âmbar, que remete à outras bebidas com as mesmas ervas usadas na cerveja, como chá gelado de mate e o chá de camomila.

A espuma branca se forma gradativamente através bolhas finas, criando colarinho de tamanho médio que que retém satisfatoriamente um aroma bem distribuído entre erva mate e camomila. O paladar também é bastante equilibrado, combinando gosto mais suave ao amargor médio típico das cervejas estilo special bitter, apresentando notas bem perceptíveis que carregam a essência levemente doce da erva mate e da camomila. Segundo Tiago Oliveira, a ideia de acrescentar mate à mistura surgiu como forma de “abrasileirar” a receita. “A gente buscou o que poderia usar de ingrediente extra para deixar a cerveja ainda mais diversa; já tínhamos lúpulos ingleses, alguns americanos, aí acabamos adicionando uma característica nossa. O resultado ficou como nós planejamos: Uma cerveja extremamente refrescante cujo gosto lembra as bebidas com erva mate, como o Tereré do sul do país e os mates gelados do Rio de Janeiro.

Para efeito de comparação entre a Frankenstein na torneira e a engarrafada, a versão experimentada no encontro em julho apresentou um corpo mais claro, carbonatação mais baixa e maior presença no paladar da erva mate do que a camomila. Tiago explicou: “Eu acho que mudou mesmo um pouco na carbonatação. A cerveja de barril, com carbonatação forçada, fica mais aveludada, mais cremosa. Forma-se assim uma espuma mais grossa, que retém mais aroma. Na versão de barril, o aroma vem disfarçado embaixo da espuma. Na hora de engolir, talvez essa discrepância entre sabor e aroma fique mais perceptível; isto justifica o  sabor do mate ser sentido somente no final do gole, porque o aroma estava presente, porém encoberto na espuma. Fora isso, fizemos um pequeno ajuste diminuindo a quantidade do mate na receita original, a partir do feedback no Festival em junho; na segunda leva, usamos um pouco menos de mate para produzir a mesma cerveja”. O resultado final, tanto na garrafa quanto na torneira, revelou uma cerveja com baixo teor alcoólico, saborosa e bem refrescante, ideal para regiões de clima quente.

Stand da Quimera com torneira da Frankenstein,no Encontro de Cervejeiros do Vale do São Francisco.

Como sugestão para harmonização, Tiago recomendou aquilo que geralmente combina com cervejas estilo bitter: carnes assadas e comidas bem temperadas como as culinárias árabe e turca, além pratos com kebab e coelho. Inicialmente, na época do festival, a Frankenstein foi pensada para ser tiragem única. “Mas isto foi o pensamento inicial. Em seguida, produzi outra tiragem em garrafas, das quais eu ainda tenho algumas unidades para oferecer. Se houver demanda, obviamente eu posso replicar a receita e produzir algumas cervejas sob encomenda”, finalizou Tiago.

Texto e fotos: Luiz Adolfo Andrade

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