A Hora do Home Brew: Uma visão da produção caseira na Bahia em 2020 e perspectivas Pós-Pandemia

No último post de 2020, compartilhei aqui no blog minha lista com os 10 melhores rótulos que provei no ano passado. Dentre os critérios que estabeleci para escolha, um deles consistia na obrigatoriedade do registro MAPA, no intuito de estimular a profissionalização das cervejarias. O ano virou e, curiosamente, amigos cervejeiros de panela da Bahia me procuraram logo na primeira semana de 2021, mas não para questionar essa lista dos Top-10 de 2020, e sim para oferecer suas novas produções. Nestes tempos em que os números de casos de Covid19 voltam a subir, muitas pessoas (eu, inclusive) decidiram retomar o isolamento social, enquanto aguardam a liberação da vacina. O Home Brew, portanto, surge como alternativa interessante para atividade nos dias de pandemia, especialmente para quem possui conhecimento, habilidades e o equipamento necessários para fazer cerveja em casa.

Na primeira semana de janeiro, recebi as seguintes cervejas caseiras: Double IPA da Carranca Chapada (Juazeiro-BA/Petrolina-PE); “Apollo” e “Dionysius”, respectivamente uma West Coast IPA e uma Red Double IPA, da Cervejaria HopDevils (Jacobina- BA); a Double IPA “VHS”, a IPA “Flor do Desejo” e a FarmHouse Ale “Christimas Farm”, da Biônica HomeBrew (Salvador-BA), além da Sour IPA com Morango, que celebra o aniversário de três anos desta cervejaria. Todas essas cervejas são baianas, exceto a da Carranca Chapada, que é produzida no Vale do São Francisco; esta região, que abarca os municípios co-irmãos Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), apresenta grande conexão com a Bahia especialmente pela maior parte do seu território estar situada no estado. Enquanto provava esses rótulos em casa, aproveitei para conversar com os cervejeiros pela internet. Na pauta, além de passar para eles meu feedback sobre as cervejas, perguntei também sobre a produção e os dilemas que os caseiros vêm enfrentando durante a Pandemia, além das perspectivas para o futuro pós-pandemia. O foco da conversa, portanto, não foi exatamente na degustação dos rótulos em si, mas na produção destas cervejas na quarentena provocada pela Covid19.

HomeBrew na Quarentena

“A maior parte dos colegas que faz cerveja reduziu a produção neste período de quarentena, sobretudo aqueles que objetivam a venda. No meu caso, a pandemia não alterou significativamente minha rotina de produção, pois sempre reservo o sábado para brassagem”, disse o cervejeiro da Carranca Chapada, Diógenes Batista. “A disponibilidade de insumos não foi fator limitante na minha produção. Também não senti falta de produtos quando realizei as compras; no caso de lúpulo nobres, principalmente, Galaxy e Mosaic, percebi sim um aumento significativo nos preços, possivelmente por conta do dólar”, destacou. “Na quarentena, acabei me aventurando em receitas diferentes, como uma Scottish 80 Export e uma Sour com groselhas, estilos que nunca tinha produzido antes. Também fiz meu primeiro hidromel (12,5% ABV) com Manga Preta (Mangifera similis), uma fruta selvagem da Indonésia”, revelou Diógenes.

Provando mais cerveja criada por Diógenes Batista na Carranca Chapada.

O cervejeiro da HopDevils, Pedro Dourado, disse que sua produção durante quarentena está sendo “absolutamente normal, sem nenhuma adversidade em termos de criação; o ponto negativo é a falta de interação com pessoas para troca de experiências e ideias”, o que acontece muito nos eventos, que foram suspensos desde o início da pandemia. “O preço dos insumos inevitavelmente subiu, como quase tudo, mas isto não parou o Home Brew, no entanto. Em termos de escassez, não senti nenhuma diferença”, complementou.

Pedro Dourado, da HopDevils.

Para o cervejeiro da Biônica Home Brew, Tiago Lima, a produção caseira se intensificou durante a quarentena. “No meu caso, também aproveitei para focar bastante na pesquisa e no estudo, inclusive investi em cursos online de cerveja, de design dos rótulos e arte do Home Brew. Fiz também uma transição do meu equipamento, para tentar fazer brassagem maiores ou duplas de uma única vez”. Tiago não relatou dificuldades com relação a escassez de matéria prima e a alta de preços durante a Pandemia. “Pelo contrário, houve até uma pequena baixa no momento de entressafra, como no caso do lúpulo. A alta do malte esta chegando agora”, destacou. O cervejeiro enfatizou que seu foco sempre é naquela receita que está em curso. “Eu gosto de fazer a cerveja, de cozinhar, de testar insumos e técnicas de brassagem, que só desenvolvi por investir num equipamento caseiro próprio. Mas os custos são altos e a produção do Home Brew é bem menor frente as outras cervejarias artesanais. No início, eu fazia para consumo próprio; depois comecei a vender cerveja para os amigos. Aconteceu de me fazerem encomendas também para aniversário, festa particular, casamento … teve até chá de fraldas com lote todo exclusivo, sempre para os amigos”.

Tiago Lima, da Biônica HomeBrew

Perspectivas pós-pandemia 

Desses três cervejeiros caseiros que conversei, apenas Pedro Dourado revelou ter objetivo de sair das panelas em curto prazo e profissionalizar a HopDevils; porém, ele teve que adiar seus planos por causa da pandemia. De outro lado, Diógenes revelou que não tem este tipo de meta com a Carranca Chapada. “Eu nunca vendo minha produção e no momento não tenho pretensão neste sentido. Faço cerveja para meu consumo pessoal e, na maior parte, sempre focando em aprimorar aspectos sensoriais, como aroma e sabor. Também faço cerveja para consumir com meus amigos; neste caso, procuro ajustar principalmente o amargor, considerando a preferência do grupo que irá provar a cerveja”, disse Diógenes. Tiago, por sua vez, admitiu que deseja um dia profissionalizar a Biônica, mas, por ora, não vê esta possibilidade como algo real. “Não consigo parar de fazer cerveja em casa, é uma mistura de vício com prazer.  Faço tudo absolutamente sozinho tudo e não resta tempo para planejar melhor, pois meu outro trabalho (professor) me absorve muito. Mas quero um dia arrumar tempo para essa nova etapa”, ressaltou cervejeiro da Biônica, que já está no Home Brew há seis anos, contando desde sua cervejaria anterior, a Moringa.

“Isto (fazer cerveja em casa) é sempre um movimento crescente, acho que surge cada dia mais gente interessada em aprender; daí fazem uma ou outra brassagem, mas por algum motivo desistem … mas esta experimentação não deixa de ser uma marca clássica do Home Brew, que vai continuar existindo sempre. O Home brew deveria ter mais apoio, precisamos de uma política forte que regulamente e legitime o processo de produção caseira (lembrando que esta política existe, por exemplo, em Minas Gerais, como noticiamos no há dois anos no Blog Lupulado).

Na minha opinião, se nós continuarmos fazendo cerveja em casa, com mais tempo e planejamento, em algum momento a gente poderá criar pequenos núcleos para estimular a produção em conjunto. O cervejeiro caseiro, que pretende botar a mão na massa de verdade, se vê diante de um processo um pouco difícil, que precisa de algum incentivo pois o Home Brew é uma prática cansativa, penosa, daí  você precisa insistir um pouco se quiser continuar”, defendeu Tiago. “Não acredito que fazer cerveja em casa e dividir com amigos próximos seja prejudicial ao mercado local. E também não vejo a indústria e as artesanais como concorrente do home brew. Eu gosto de fazer minha cerveja e gosto também de beber as demais. O lance de profissionalizar ainda me assusta um pouco, acho que tenho menos controle do processo como um todo, então a resistência da panela foi a única opção pra mim. Ou parar, que não é uma opção para mim”, finalizou.

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