O dia que me tornei aquilo que eu mais temia: Um bebedor de cervejas sem álcool

Na semana passada, resolvi experimentar as chamadas cervejas sem álcool. Este mercado, que já existe há algum tempo na Europa e nos Estados Unidos, vem ganhando corpo recentemente no Brasil. Na prática, a questão da nomenclatura “sem álcool”, “não alcoólica” ou “álcool zero” faz pouca diferença em nosso país, uma vez que a legislação vigente estabelece que cervejas com teor alcoólico de até 0,5% podem ser consideradas sem álcool. A primeira cerveja sem álcool produzida no Brasil foi a Kronenbier, em 1991, pela cervejaria Antártica. Em 2006 foi lançado o segundo rótulo em território nacional, a Liber,  pela Ambev. Outras marcas seguiram esta tendência, como a Itaipava,  Nova Schin, Heineken, Budweiser, etc.

Se antes este mercado ficava restrito às grandes cervejarias, nos últimos anos as cervejarias artesanais brasileiras começaram a olhar com mais carinho para o segmento das cervejas sem álcool. Em 2019, a Cervejaria Wals (MG), que foi adquirida pelo grupo AmBev, lançou a Session Citra sem álcool; a Roleta Russa, marca da Cervejaria Invicta (SP), apresentou a sua Easy IPA, com 0,4% de álcool; a Cervejaria Dádiva (SP) lançou a Golden Ale Sem Álcool.  O cervejeiro, Igor Veras (Na Tora/PE), destaca um obstáculo para a produção de cervejas sem álcool pelas microcervejarias. “Basicamente, são dois processos bem trabalhosos que podemos realizar na brassagem: um consiste na remoção do álcool, depois de produzido pela levedura, e outro que trabalha com interrupção da fermentação. Existe também um processo de filtração, que retira o sólido sobrando água e álcool; depois aquece para remover o álcool e mistura novamente com o que foi filtrado. Dá bastante trabalho, exige mais pessoal, equipamento e espaço; acaba sendo difícil para realizar este procedimento nas pequenas cervejarias e também no homebrew, que muitas vezes sofrem com estas limitações”, explicou Igor.

 

A ascensão do Sober Curious

Em janeiro deste ano, a revista Forbes publicou alguns dados sobre o crescimento do mercado de cervejas sem álcool; só nos Estados Unidos, o consumo registrou aumento de 38% em 2020. A Forbes apontou que esta deve ser também uma tendência das cervejarias artesanais, em 2021, nos EUA. O investimento no mercado de cervejas não-alcoólicas vem aumentando porque as questões sobre a saúde das pessoas ganharam o centro do debate no período da pandemia da COVID-19. Além disto, a cerveja sem álcool também pode se ajustar melhor ao nosso dia a dia, sobretudo nestes tempos de horários indefinidos por conta do home office.

A Jornalista Rubi Warrington, autora de Sober Curious – Fonte: www.rubywarrington.com

A matéria também faz referência a um estilo de vida, fundamentado no consumo de bebidas não alcoólicas, chamado “Sober Curious” (curioso sóbrio, em português). Este conceito foi proposto pela jornalista britânica Ruby Warrington em seu livro Sober Curious: The Blissful Sleep, Greater Focus, Limitless Presence, and Deep Connection Awaiting Us All on the Other Side of Alcohol. O  trabalho levanta algumas questões relativas ao consumo de bebidas não alcoólicas, por exemplo, como ser social e fazer conexões sem consumir álcool? Quando curtimos o prazer proporcionado por uma bebida, diz Ruby em seu livro, nós restauramos a nossa integridade e a paz interior sempre antes de beber. “Sober curious significa pensar em mim como uma pessoa sóbria, mas que não tem regras estabelecidas para não beber, pois justamente são essas regras que são feitas para serem quebradas”, argumenta a jornalista, ao longo do livro. “Sempre presumimos que uma pessoa teve problemas com álcool quando sabemos que ela parou de beber, o que nem sempre é verdade”, complementou.

Tá certo… e sobre a degustação?

Antes de começar a descrição das cervejas não alcoólicas que provei, gostaria de que esclarecer que ainda não pretendo me transformar na figura que dá título a este post: Um bebedor de cerveja sem álcool. Entretanto, considero importante experimentar os rótulos que este mercado pode nos entregar. O primeiro da minha linha de cervejas não alcoólicas foi a Heineken 0,0. A visual amarelo-palha e a espuma remetem à da Heineken tradicional. O aroma também é muito parecido, trazendo notas de pães típicas das lager. O sabor estabeleceu talvez a mais importante conexão entre a Heineken tradicional e a zero: Manteve a característica causada pelo efeito do lightstruck, provocado pela incidência de luz sobre a garrafa verde da cerveja, que causa aquele sabor “mofadinho” clássico da Heineken.

A segunda cerveja da degustação foi Golden Ale da Dádiva, que apresenta a graduação de 0,5% e assim pode ser classificada como não alcoólica, segundo a explicação feita no início deste post. Trata-se de uma cerveja bem maltada, com notas intensas de floral tanto no aroma quanto no sabor e baixo amargor (N/A IBU). Por fim, provei a Easy IPA da série Roleta Russa (cervejaria Imigração), que carrega em si várias características típicas do estilo India Pale, como a cor, espuma e aroma. Além disso, o sabor mais cítrico, com leve dulçor e medio amargor (30 IBU). Minha ordem de preferência ficou: Heineken 0,0, Easy IPA e Golden Ale. Estas cervejas podem ser encontradas facilmente em Salvador; a primeira eu comprei no mercado da pracinha, no meu bairro; as outras estão disponíveis nas lojas de cerveja artesanal da cidade, como Cerveja Salvador, Kombita e Vitrine da Cerveja.