Mondial de La Bière 2018

Na semana passada aconteceu no Rio de Janeiro a sexta edição do Mondial de La Bière, considerado o maior evento cervejeiro do Brasil. Entre os dias 05 e 09 de setembro, o complexo de armazéns do Pier Mauá, na zona portuária da capital fluminense, recebeu mais de 160 cervejarias do Brasil e do exterior, como a famosa Goose Island, que disponibilizaram cerca de 1.500 rótulos de diferentes estilos. O Mondial de la Bière é um festival internacional de cervejas artesanais que começou há 25 edições no Canadá. No Brasil, o evento acontece no Rio de Janeiro desde 2013 e foi realizado pela primeira vez em São Paulo neste ano.

Visual no interior do Pier Mauá, no primeiro dia do Mondial de La Bière.Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Fila para entrar no quarto dia do festival. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Além das cervejas servidas em torneiras e garrafas, 25 food truck ofereceram opções para harmonização e cerca de 30 bandas foram encarregadas de fazer som em dois palcos montados no evento. A organização divulgou no site oficial do Mondial que a expectativa de público girava em torno de sessenta mil pessoas durante o evento; entretanto o número oficial ainda não foi divulgado pelos organizadores. Em alguns dias o público foi maior, por exemplo no sábado (08), quando os ingressos esgotaram na semana anterior ao festival.

Armazém 4 no primeiro dia do Mondial de la Bière. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Stand da cervejaria Antuérpia (MG) no Armazém 3: Grande vencedora do evento. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Stand da cervejaria Overhop de Angra dos Reis (RJ) no Armazém 3. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

O jornalista carioca Rafael Fernandes, 41, que esteve em quatro das seis edições do Mondial de La Bière no Rio, destacou: “de modo geral, o evento é muito bom, os expositores são muito atenciosos e sempre solícitos para explicar os rótulos e estilos; o problema é que eles não costumam dar provas das cervejas; poderiam até aumentar um pouco o preço da cerveja, mas servir uma prova para ajudar na escolha do que beber”.

Cerveja Névoa, New England Pale Ale da cervejaria Antuérpia – MG. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Rafael percebeu ainda melhorias no serviço médico e nas disposição de banheiros, especialmente os masculinos, o que considera ser importante especialmente em um festival de cervejas. Por outro lado, ele acredita que o Mondial está deixando de ser um evento cervejeiro para tornar-se algo mais cosmopolita. “Antes, por exemplo, tocavam música alemã; hoje toca só música pop. Acho legal, mas um evento assim poderia usar características e coisas mais típicas do universo cervejeiro ”, concluiu.

Torneiras características do stand da Overhop (RJ). Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Beer truck da cervejaria CapaPreta (MG) no Armazém 3 do Mondial de La Bière. Foto: Luiz Adolfo Andrade.

Disputa entre cervejarias

Um dos momentos mais aguardados do Mondial da La Bière é o MBeer Contest Brazil, competição para indicar a melhor cerveja do evento (medalha de platina) e outras cervejas que se destacaram das demais (medalha de outro). Neste ano, 376 rótulos concorreram às medalhas, sendo avaliados previamente por uma comissão de 11 jurados. A principal novidade no concurso de 2018 foi anunciar os vencedores ao final do primeiro dia do evento, permitindo que o público soubesse desses rótulos logo de início.

A grande vencedora desta edição do evento foi a Nikita Cherry Hickey, uma Imperial Stout da Cervejaria Antuérpia (MG). João Cléber, cervejeiro na Antuérpia, contou um pouco mais sobre o rótulo premiado.

Na tabela a seguir, confira as outras 12 cervejas premiadas com medalha de ouro na sexta edição do Mondial de lá Bière. Um fato que chama atenção é a presença do estilo Catharina Sour, com quatro rótulos, entre os medalhistas de ouro. A estes, acrescenta-se outros rótulos na linha sour, isto é, cervejas com um paladar mais azedo (ácido), que muitas vezes trazem adição de frutas cítricas e apresentam como característica principal o uso de leveduras selvagens, aquelas que se encontram livres pelo ambiente,  por exemplo as Brettanomyces.

Rótulo Cervejaria Estilo
Treta Cervejaria Suburbana Berliner Weiss
Roter Brauhof Roter Sour Ale Sour Ale
Gravioh lala Overhop Catharina Sour
Aternum Overhop Americam Imperial Stout
Catharina Sour Goiaba Mistura Clássica Catharina Sour
Gone Mad Wonderland Brewery American IPA
Brewer’s Cut Dádiva American Sour
Guanabara Wood Aged Colorado Imperiam Russian Stout
Saboya Cerveja Matisse Catharina Sour
Thirsty Harks Farm Brewery Wood Gin Barrel Aged Ginga de La boe Sour Ale
Regina Sour Framboesa Bodebrown Berliner Weiss
Cacau IPA Wood Age Bodebrown American IPA
#2anos Farra Bier Catharina Sour

A cervejeira Anna Lewis , da medalhista de ouro Wonderland Brewery, participou pela primeira vez como expositora do Mondial de La Bière. Anna nasceu na Sibéria e foi morar no Estados Unidos, onde casou-se com Chad Lewis que também é sócio da Wonderland. Conheceram um cervejeiro carioca, Pedro Fraga, que apresentou-lhes o mercado brasileiro. “Nos inspiramos muito na cultura cervejeira norte americana e procuramos utilizar este conhecimento nas receitas que desenvolvemos. Pedro é uma ótima pessoa, tornou-se nosso parceiro na Wonderland. Ele deu um toque especial nas nossas receitas, tornando-as ainda mais interessantes”, disse Anna, que mudou-se com o marido para o Rio de Janeiro em abril.

Anna Lewis cervejeira na Wonderlan Brewery (RJ). Foto: Luiz Adolfo Andrade.

A cerveja premiada da Wonderland, Gone Mad, é uma American IPA com 4 tipos de lúpulos, que segundo Lewis pode criar uma harmonização especial com ostras e frutos do mar, além de harmonizar tradicionalmente com burgers.

Gone Mad, cerveja medalha de ouro da Wonderland Brewery (RJ).Foto: Luiz Adolfo Andrade.

O nordeste do Brasil foi representado na sexta edição do Mondial de La Bière pela cervejaria pernambucana Ekäut. Além das sua cervejas tradicionais como a Munich Helles e a American IPA, a cervejaria brindou o público com dois lançamentos: a Sour de Cajá e a Ris Bolo de Rolo.

Davidson Dias, cervejeiro na Ekaut (PE). Foto: Luiz Adolfo Andrade.

“As cervejarias nordestinas estão fazendo sucesso e a gente precisa se inserir no mercado do sul e sudeste; o nordeste está se tornando referência em como fazer cerveja e precisamos mostrar isso aqui”, disse o cervejeiro da Ekäut Davison Dias, que participa do Mondial pelo segundo ano consecutivo.

Alguns goles com Ruiz

“O nosso foco é fazer uma experiência maneira para todos que estão na Farra, seja consumidor, seja colaborador, seja fornecedor. E assim a gente vai levando”. Esta frase pertence ao cervejeiro da Farra Bier, Fabrizio Ruiz, e foi usada para ilustrar o astral percebido no staff da cervejaria durante os trabalhos no Mondial de La Bière. Publicitário com MBA em Finanças, Investimento e Risco pela FGV, Fabrizio tem 38 anos e trocou a rotina de quase duas décadas trabalhando em um banco pela vida como empreendedor e cervejeiro na Farra Bier. A cervejaria foi outra medalhista de ouro na sexta edição do Mondial de Lá Bière com a Catharina Sour #2. “Meus colaboradores precisam se sentir felizes, acordar de manhã e sair felizes para um dia de trabalho. Quem está ali tem que estar feliz com que está fazendo; na Farra tudo é com muito amor e paixão. O objetivo maior não é reduzir custos de produção nem ganhar mercado”, disse o cervejeiro. Partindo desta premissa, Ruiz concedeu entrevista ao Lupulado após experimentarmos alguns de seus rótulos.

Fabrizio Ruiz, cervejeiro e fundador da Farra Bier (RJ), exibe a premiada #2anos. Foto: Luiz Adolfo Andrade

Lupulado: Quantas edições do Mondial de La Biére a Farra Bier já participou?

Fabrizio Ruiz: A primeira vez que participamos foi em 2016, tínhamos um mês de fundação e apenas um rótulo, a “All in IPA”. Não tínhamos stand no evento, éramos uma apenas uma torneira dentro do stand de uma cervejaria parceira. Na edição de 2017, fomos com stand próprio e 6 torneiras. Ganhamos nossa primeira medalha de ouro. Em 2018, dobramos o tamanho de nosso stand e número de 12 torneiras. Faturamos a nossa segunda medalha de ouro.

Lupulado: Qual a razão do nome Farra bier?

Fabrizio Ruiz: Farra tem tudo a ver com cerveja, amigos, momentos… e é isso que proporcionamos! Não vendemos cerveja, proporcionamos uma experiência: Isso é Farra!

Carta de cervejas da Farra Bier no Mondial de la Bière. No copo, a Pool Party, outro excelente rótulo da Farra Bier. Foto: Luiz Adolfo Andrade

 

Lupulado: Seu foco é o mercado cervejeiro do Rio de Janeiro ou pretende comercializar os rótulos da Farra em outros estados, especialmente os do Nordeste?

Fabrizio Ruiz: Não há um foco no mercado do Rio. Estamos trabalhando pra ampliar nossa distribuição. Nossa cervejaria tem 2 anos e aos poucos estamos aplicando nossa capilaridade. O nordeste é uma das regiões que pretendemos focar e 2019 será possível encontrar Farra por lá.

Lupulado: Pode comentar um pouco sobre sua cerveja premiada, a #2anos?

Fabrizio Ruiz: A #2anos é uma Catharina Sour com tangerina e adição de brettanomyces, envelhecida em barril de carvalho, que foi utilizado em outro momento para maturação de vinho Chardonnay. O resultado é uma cerveja seca, frisante, bem refrescante, ácida, com notas de tangerina, abacaxi, uva verde, remetendo muito ao vinho branco e à champanhe.

Fábrica da Farra Bier em Guapimirim – RJ. Fonte: Fabrizio Ruiz.

Lupulado: O que você acha de associações como as ACerVa? Você considera importante que os cervejeiros se associem a estes coletivos?

Fabrizio Ruiz: Tenho cinco anos de filiação à AcervA Carioca. É muito importante ser associado quando o cervejeiro produz cerveja caseira, mas perde um pouco de relevância quando se passa a ser cervejaria comercial. Contribui para o fortalecimento da cultura cervejeira sim, mas pra defesa do setor não até porque não é o objetivo desse coletivo. Por isso, aqui no Rio fundamos em 2017 a AMACERVA, cujo objetivo é defender e melhorar a cena artesanal Carioca. Os associados são as cervejarias.

Lupulado: Na sua opinião, qual maior obstáculo para quem produz cerveja no Brasil?

Fabrizio Ruiz: Sem dúvida são os impostos. A maioria dos produtos é importada e a carga tributária deixa esses itens muito caros. Além disso, existem impostos após a produção, o que encarece o produto final, dificultando a penetração no mercado local. Fora do Estado, ainda incidem outros impostos, como ICMS-ST, que majora significativamente o valor da nota, praticamente inviabilizando a venda.

Lupulado: Como você enxerga o embate entre cervejarias industriais x cervejarias artesanais? Depois de cervejaria artesanal ser o ramo que mais cresceu no Brasil em 2015, segundo o SEBRAE, você acha que a indústria retomou a força em função de exigências por parte da Anvisa, como as certidões?

Fabrizio Ruiz: Na verdade, acho que estes termos (industrial e artesanal) não fazem mais tanto sentido uma vez que, para ser vendida em lojas, toda cerveja tem que ser industrial; aqui no Rio não há venda de cerveja que não seja produzida em uma fábrica certificada pelo MAPA. A diferença entre cervejarias artesanal e industrial, no meu ponto de vista, está no volume e no resultado final do produto. Particularmente acho que são produtos pra nichos diferentes de mercado e irão coexistir sempre, como em qualquer lugar do mundo. Cabe ao consumidor escolher o que cabe ao seu paladar e no bolso.

Lupulado: Para finalizar, você poderia comentar brevemente sobre sua história profissional; por que decidiu abrir mão do cargo de analista sênior em um banco público para empreender no ramo de cervejas artesanais?

Fabrizio Ruiz: Passei no concurso do banco com 19 anos e trabalhei lá por quase duas décadas. Consegui estruturar a minha saída pra tocar algo que me apaixona, que me motiva, que faz sentido para minha vida. É uma questão de perfil: Sempre gostei de empreender. Sou tomador de risco, não gosto de rotinas e tenho disposição pra enfrentar as adversidades do mundo empresarial. Hoje sou sócio da Farra Bier; produzindo cerveja, participo direta e indiretamente de momentos felizes das pessoas e isso é muito gratificante para mim. Aproveito pra deixar um recado para os leitores do Lupulado: A plenitude da vida está em ela fazer sentido, não importa o que você faça.

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