Growler: como uma ferramenta do passado está modificando o consumo de cerveja no presente

Um fato que chamou minha atenção logo quando retornei do meu período na Dinamarca, no final de março, foi o crescimento considerável de um tipo de negócio no cenário cervejeiro no Brasil: as Growler Station. Confesso que ainda não tinha percebido esta força antes de me mudar para a Europa no início de 2017. Nestes primeiros quatros meses após meu regresso, me parece que o Growler é um objeto do passado que está modificando – ou melhor, renovando –  a forma de consumir cerveja artesanal no presente. Este movimento promovido pelo Growler nos dias atuais tem sua origem nos Estados Unidos, no final do século XIX, sendo retomado por lá nos anos 1980; no Brasil, o Growler só entrou na cena cervejeira em meados de 2016.

Foi possível perceber o aumento na oferta de Growler Station  em pelo menos quatro cidades brasileiras, por onde passei nas últimas semanas: três capitais (Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre) e uma no interior (Juiz de Fora – MG). Algumas operam dentro de supermercados, como a Antuérpia em Juiz de Fora e a Wals em Belo Horizonte, que é considerada a primeira Growler Station da América Latina e funciona desde 2016. Ainda em BH,  a “S.O.S. Goró” expõe suas torneiras ao ar livre, com as portas abertas para as ruas da Savassi. Já no Rio de Janeiro, a localização da Artesanato da Cerveja fica bem próxima da famosa praia de Copacabana. Estas alternativas possuem algo em comum: facilitam a tarefa de encontrar e carregar cerveja artesanal, seja para levar para casa ou para um simples passeio. Acaba invertendo a forma tradicional do consumo do chopp: Em vez de beber no estabelecimento, o sujeito compra cerveja artesanal fresca e leva com o Growler para consumir em outro lugar.

Growler Station da Antuérpia em Juiz de Fora – MG

S.O.S Goró e suas torneiras em Belo Horizonte-MG

As Growler Station são pontos de venda onde a distribuição da cerveja se dá através de torneiras conectadas aos barris ou sistemas de contrapressão e de recipientes específicos chamados Growler – containers que comportam até dois litros. Na prática, o Growler é uma ferramenta para transporte de cerveja fresca que pode ser usada diversas vezes, permitindo que o cervejeiro encha o recipiente de cerveja  e carregue para onde quiser. Armazenada em um Growler , qualquer cerveja pode conservar suas características por até 72 horas, sem que a tampa tenha sido aberta; algumas Growler Station fazem o fechamento a vácuo do recipiente, o que pode estender em até uma semana este prazo de validade.

Sistema de contrapressão na Artesanato da Cerveja

Conversamos com o engenheiro agrônomo Igor Veras Silani, cervejeiro na NaTora HmB e Doutorado do Chopp, duas microcervejarias em Petrolina – PE, sobre o serviço prestado pelas Growler Station. “Uma Growler Station pode absorver produtos de cervejarias de longe; neste caso, pode-se trazer uma marca famosa da Europa, que não vai necessariamente corroborar o conceito de cerveja fresca e até mesmo barata, mas com certeza será mais  em conta encher um Growler do que comprar a cerveja engarrafada. A cerveja no barril é sempre consumida com o argumento de ser mais fresca; vindo de longe, se ela não for mais fresca em si, ela terá uma cadeia de frio mantida pelo barril e isso torna a cerveja mais saborosa”, argumentou. Igor fez uma ressalva interessante sobre esta a funcionalidade do Growler, pontuando que “o conceito da cerveja artesanal está voltado para a ideia de ‘beba melhor’, que além de estar associado à qualidade do produto, claro, dialoga com outro conceito, ‘beba local’;  ou seja, o sujeito deve procurar beber o que é produzido mais próximo dele; assim, a cerveja não sofrerá interferência do transporte, calor, armazenamento etc. Então o Growler é uma forma de o produtor ter essa cerveja com carga tributária reduzida, pois não vai pagar pelo envase, por garrafas e também pelo uso destes equipamentos. Consequentemente, a cerveja vai chegar mais barata para o consumidor final”.

Growler no Bar da Wals: degustar cerveja é prazeroso; mas levar direto da torneira para casa é sensacional.

Aqui no Vale do São Francisco, onde cidades de porte médio possuem certo destaque, como Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), a cultura do Growler ainda engatinha. “O Vale do São Francisco, assim como outras regiões do Nordeste, diferente do Sudeste, por exemplo, ainda não possuem uma demanda exclusiva de Growler Station; por outro lado, existem estabelecimentos especializados em cerveja artesanal que poderiam aproveitar a estrutura que já possuem ou montar algo de baixo investimento. Neste caso, o estabelecimento não seria exclusivamente uma Growler Station, como encontramos em Belo Horizonte, por exemplo, mas isto certamente causaria um impacto no consumo da cerveja aqui na região, estimulando o uso de Growler”, finalizou Igor.

Origem e cuidados

A origem do nome Growler remonta ao final do século XIX, nos Estados Unidos. Naquela época, os cervejeiros ainda buscavam as melhores técnicas para engarrafamento da bebida; neste cenário, o Growler surgiu como ferramenta para os cervejeiros carregarem para casa a cerveja que compravam nos bares. Os primeiros eram feitos de metal e tinham formato mais alargado, como se fossem baldes de água. No final dos anos 80, o Growler de vidro foi introduzido por Charlie e Ernie Otto em sua cervejaria no estado norte-americano de Wyoming. Eles estavam em busca de uma opção para seus clientes levarem a cerveja fresca do estabelecimento para casa; foi quando o pai de Charlie sugeriu uma ferramenta da sua juventude: o Growler. Os recipientes de vidro são tradicionalmente confeccionados na cor âmbar; hoje em dia podemos encontrar Growlers feitos de outros materiais, como alumínio, cerâmica ou plástico, neste caso os únicos descartáveis. Nas Growler Station que visitei, pode-se encontrar Growler de plástico e vidro, ou o cliente pode levar seu próprio Growler para pegar a cerveja.

Growler de plástico da cervejaria Antuérpia (MG).

Growler é um termo em inglês que possui sentido próximo ao de “grunhido” ou “rosnador” em português; sua apropriação pelo cenário cervejeiro é comumente atribuída à duas situações: a primeira é relativa ao ruído emitido pelo CO2, que vaza pela tampa do Growler ou quando a cerveja espirava facilmente no chão dos recipientes de metal e liberava o gás; a segunda refere-se a uma prática que ficou conhecida antes da Segunda Guerra Mundial como “correndo ou apressando o Growler” (em inglês rushing the growler), em que a crianças corriam para buscar a cerveja com os recipientes e levar para os trabalhadores na hora do almoço ou para os pais, em casa de noite

Algumas dicas são importantes para conservação do Growler, por exemplo limpar com água quente assim que terminar de beber a cerveja e nunca usar sabão ou lava-louças na higienização. Recomenda-se também consumir em até três dias após abrir o Growler, porque a cerveja começa a perder o gás quando a tampa é removida. No caso do Growler de plástico, o único que não pode ser reaproveitado pelo consumidor, deve-se respeitar os procedimentos para descartar material reciclável.

Referências

Powell, S. Rushing the growler: a brief history of brewing in Buffalo. Apogee Productions; 3rd edition, 1999.

growler-station.com/about/history. Acesso em Julho de 2018.

sm.com.br/detalhe/ultimas-noticias/verdemar-inova-e-lanca-a-primeira-growler-station-da-america-latina Acesso em Julho de 2018.

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